Leitura Complementar: Salmo 97
Um homem pequeno, mas um homem
rico e bem sucedido: eis o retrato falado do publicano Zaqueu. Tamanho não é
documento, e ser pequeno não significa que a gente não possa vencer na vida. E
Zaqueu tinha vencido. Era maioral dos publicanos, isto é, era funcionário
público graduado, chefe dos coletores de impostos da cidade de Jericó. Tinha
aproveitado bem as oportunidades que seu cargo lhe oferecia. Não há indício de
que tivesse enriquecido roubando, ou, ao menos, roubando mais do que outros
publicanos. É possível que, no mais, tivesse agido dentro das normas da lei e
dos costumes daquele tempo. Mas a lei, já então, era uma rede com malhas
bastantes grandes. O próprio governo sabia disto.
O governo tinha feito um
arranjo bem esperto com os coletores-chefes: alugava os impostos de uma cidade
por um certo tempo, a um preço definido. Se o coletor pagava a devida soma ao
governo, então o resto era problema dele. O governo não ligava ao que ele
fazia. Ele podia empregar sub-coletores, podia cobrar pedágio em estradas e
pontes, podia explorar aquele negócio mesmo, podia tirar o quanto desse, de
comerciantes, de agricultores, de operários, de viajantes, e de quem mais
tivesse dinheiro. Não admira que o povo não morria de amores por estes publicanos.
Chamar alguém de "publicano" era quase como dizer nome feio:
explorador, corrupto, sanguessuga. "Publicanos e pecadores", assim
eles eram rotulados nas sinagogas, nos lugares de reunião dos judeus. Estes
publicanos nem arriscavam ir à sinagoga ou ao templo. E não era sem motivo! Por
que será que Zaqueu, aquele homem rico e bem sucedido procurou ver Jesus,
quando este passava por Jericó? Por que será que correu adiante da multidão,
fazendo aquela coisa incrível, realmente imprópria para um homem rico, para um
funcionário graduado como ele: subir naquele sicômoro, naquela figueira que
ficava bem à beira da estrada? Veja que Zaqueu agiu que nem um rapaz de doze
anos, que trepa em árvore para ver um visitante ilustre passar. Mas este
próprio fato não é algo maravilhoso? A simples proximidade de Jesus basta para
quebrar a rotina da vida de um homem rico, para fazê-lo correr diante da
multidão e fazê-lo subir numa árvore! Bem que a gente queria que muito
capitalista acomodado em seu apartamento de luxo, ou sentado em seu Omega (e
também muito capitalista-mirim, capitalista de Fusca e Escort) fizesse o mesmo!
Como faria bem para ele, correr! Não tanto para perder peso (isso vem depois),
mas para sair da rotina escravizadora do ídolo "dinheiro". Para ir ao
encontro da vida verdadeira, ao encontro de Jesus, que ensina a pessoa a viver.
Ensina o rico e ensina o pobre. Porque ambos precisam ser ensinados.
A Bíblia
não diz se Zaqueu imaginava aonde poderia chegar com aquela corrida, com aquela
subida à figueira. Não diz se ele queria mesmo aquilo que depois mudou tão
drasticamente a sua vida. Diz apenas que queria ver quem era Jesus. Mas aquele
"querer ver Jesus" não parece ter sido nenhum capricho momentâneo.
Bastou para fazê-lo esquecer seu "status", sua dignidade, para
fazê-lo correr e trepar numa árvore. Eu não tenho outra explicação para a
estranha atitude deste homem a não esta: Jesus já deve ter agido na vida de
Zaqueu antes deste se dar conta disso. Você vê que Zaqueu não precisava se
apresentar. Jesus o conhece, chama-o pelo nome. É como um encontro programado:
o caminho de Jesus, que vai a Jerusalém, rumo à cruz, passa por Jericó. É um
caminho reto e claro. É o caminho da obediência. E o caminho de Zaqueu, caminho
tortuoso, nada obediente, foi programado mesmo assim por Deus para cruzar o
caminho de Jesus. Há coisas que tornam este encontro difícil: a pequena
estatura de Zaqueu, a massa humana que rodeia Jesus (quantas vezes as pessoas
que rodeavam Jesus não queriam permitir que dele se aproximassem os "indignos"!
Veja Marcos 2,4 e 10,13).
A chance de que Zaqueu realmente venha a ver Jesus é
bem pequena. Mas o encontro acontece. Lá, junto àquela figueira, que também
parece ter sido programada para esta hora! Sério: para que haja este encontro
decisivo entre Jesus e uma pessoa de caminhos tortuosos, toda a criação tem que
cooperar. Que pensamento empolgante aquele: por cinquenta anos, esta figueira
teve que crescer, para que pudesse servir a Zaqueu. Incrível? Ora, eu creio
que, visto da eternidade, o nosso caminho um tanto tortuoso pela terra, se
apresentará cheio de tais coisas incríveis. Talvez algum leitor ou ouvinte
ignorado entenda, por alguma experiência pessoal, o que quero dizer. Jesus
conhece Zaqueu, antes que Zaqueu conheça Jesus. E, apesar de o conhecer, ele
não o rejeita. Não passa de largo por ele. Há muitos, hoje, que botam toda a
culpa nos ricos. Não fazem diferença. Rico é rico, e, como dizem os marxistas,
"toda propriedade é roubo". Logo, quem é rico, é rico porque roubou
muito. Muitos acham ruim Jesus não ter feito frente contra os ricos. Não, não
negam que ele foi amigo dos pobres. Mas, por que ele precisa comer na mesa dos
ricos? Ele não se torna culpado com eles, comendo esta comida ganha com o suor
dos oprimidos? Sim, Jesus se torna culpado com eles, ricos e pobres. Ele não
faz diferença. Encontra-se com ricos e pobres, sem perguntar por seu passado,
sem lhes atribuir sua "classe", seu condicionamento social, seu muito
ou pouco dinheiro. Ele entra na fila de pecadores e pobres, sem preconceitos.
Sua única intenção é salvar a pessoa. Salvar é mais do que dar pão e casa.
Salvar é mais do que distribuir a renda por igual. Salvar é tirar a pessoa da
prisão do maligno e abrir-lhe a casa de Deus. Salvar é perdoar e dar nova vida.
É por isso que Jesus também precisa entrar na casa dos ricos. É que eles também
precisam de Salvador. Ou há alguém que ouse afirmar que não precisam?
"Quando Jesus chegou àquele lugar, olhando para cima, disse-lhe: Zaqueu,
desce depressa, pois me convém ficar hoje em tua casa". Jesus não lhe
impõe nenhuma condição. Dispensa quaisquer formalidades: "Desce
depressa!" Zaqueu veio para ver quem era Jesus. Lá do alto ele está vendo.
Mas não vê o suficiente. Precisa chegar mais perto dele. Precisa falar com ele.
Mais: precisa receber Jesus em sua casa. Em sua casa? Então Jesus irá lá? Para
aquela casa que já viu tanta coisa? Jesus será cego? Não, Jesus vê. Jesus olhou
para cima e viu Zaqueu assim como ele era. Ele não olhou com olhos de pecador
que trata de descobrir outro pecador para ter alguém que possa acusar. Jesus
viu Zaqueu, assim como Deus o vê, com os olhos de Deus, por assim dizer.
Olhou-o com amor, com graça, com vontade de aceitá-lo, de salvá-lo. E Jesus se
convida a si mesmo para a casa de Zaqueu... E Zaqueu? Por que não usa agora
aquele velho ardil de Adão, escondendo-se entre as árvores do jardim? Teria
sido tão fácil, sumir-se entre a folhagem da figueira e tirar o corpo fora
deste jogo. Porque muito estava em jogo para Zaqueu nesta hora. Não só sua
fortuna. Toda a sua vida estava em jogo. E Zaqueu, o pequeno homem rico, deve
ter sentido isso. Mas, apesar disto entendeu Jesus. "Ele desceu depressa e
o recebeu com alegria." Quem sabe, aquele homem rico estava faminto e
sedento de alegria, de alegria que dinheiro não compra. Quem sabe, a alegria de
participar do evangelho se tenha tornado tão grande que ele não se importava
com mais nada. Quem sabe, o retrato falado de Zaqueu: "homem pequeno, rico
e bem sucedido" nem era um retrato tão fiel assim. Quem sabe, Jesus tinha
um retrato mais fiel de Zaqueu, e de você e de mim, do que o "retrato
falado" que nos identifica na sociedade? "Todos os que viram isto,
murmuravam, dizendo que ele se hospedara com um pecador." Todos! É duro.
Entre estes "todos" estavam também os discípulos. Este murmúrio não
parou nunca, na igreja.
Quando um pecador é atingido pela graça, o inferno
protesta. E protestam todos os que não vêem o homem com os olhos de Deus, que o
vêem com olhos de acusador. Jesus? Ele não diz nada. O que ele faz, diz tudo. Ele
senta-se à mesa de Zaqueu e come com ele. Há atitudes e há gestos que falam
mais claro do que palavras. Há atitudes e há gestos que são cópias tão fiéis de
atitudes e de gestos de Deus, que o homem em questão se vê atingido por Deus
mesmo. Foi o que aconteceu no caso de Zaqueu. Jesus pregou neste dia sem usar
palavra. Pregou comendo, comendo na casa de um pecador. "Entrementes,
Zaqueu se levantou e disse ao Senhor: Senhor resolvo dar aos pobres a metade
dos meus bens; e se em alguma coisa tenho defraudado alguém, restituo quatro
vezes mais." Isto deve ter sido que nem uma bomba naquela hora, você pode
acreditar! E veja que Jesus não tinha exigido que Zaqueu fizesse aquilo. Zaqueu
disse: "Eu resolvo." Mas note que este "eu resolvo" foi a
primeira decisão realmente livre de sua vida. Antes, era o dinheiro que tinha
mandado nele. Agora é ele quem manda no dinheiro. Com uma liberdade incrível,
este homem rompe o quadro de seu retraio falado e age, não como um publicano,
mas como um rei: um escravo libertado, feito senhor, que agora dispõe em
sabedoria e com mão aberta de seu dinheiro, dinheiro que agora realmente é de
Zaqueu, porque faz o que Zaqueu manda. Dissemos há pouco que Jesus não fazia
diferença entre ricos e pobres. Ele não fazia mesmo. Mas nunca deixava o pobre
preso à sua pobreza, nem o rico preso à sua riqueza. Onde o evangelho não mexe
com o "status" da gente, com o "retrato falado", com a
fortuna, com seu relacionamento com o dinheiro, aí alguma coisa correu errada.
Eu não acredito em conversão que converte só o coração. A carteira precisa ser
convertida também.
A carteira, e muitas outras coisas mais, que escravizam o
homem. Há cristãos que querem levar uma vida santa, mas que não têm uma
centelha de "espírito social", ignoram a pobreza que os rodeia e
agradecem a Deus por tê-los abençoado com tantos bens. Que nos deixemos abalar
por aquilo que Zaqueu fez! Fez, porque resolveu fazer! Nada mais temos a
acrescentar a este relato sobre o encontro de Jesus com um homem pequeno, que
chegou a recebê-lo em sua casa. Apenas, o que o próprio Senhor diz. E queremos
aplicá-lo a nós mesmos - você a si, e eu a mim: "Hoje houve salvação nesta
casa, pois este também é filho de Abraão. Pois o Filho do homem veio buscar e
salvar o perdido". Oremos as palavras de outro publicano, conforme a
parábola de Jesus, e depois oremos em silêncio, abrindo-nos ao evangelho de
Cristo: Tem piedade de mim, Senhor. Eu sou um
pecador. Amém.
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