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quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Rm 1 Cuidado! Antes de Ler a Carta aos Romanos



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Introdução 

Se você deseja estudar a Carta de Paulo aos Romanos, é bom se prevenir. Mais do que qualquer outro texto das Escrituras Sagradas, seu conteúdo transformou a vida de muitos homens na história da igreja, trazendo grande impacto e profunda transformação nas gerações seguintes.
Se você deseja continuar, faça-o! Mas lembre-se, seu conteúdo é “perigosamente maravilhoso!”
Muitos líderes da igreja influentes, em diferentes séculos, dão testemunho do impacto produzido pela Epístola aos Romanos em suas vidas, tendo sido ela, em diversos casos, o instrumento para sua conversão.

Agostinho de Hipona (354-430)

No verão do ano 386, Santo Agostinho, então professor de retórica em Milão, ainda não convertido, Ali adquiriu o costume de ouvir, as pregações do Bispo Ambrósio. A mensagem atingia cada vez mais o seu coração. Começou a  apreciar a Bíblia e a entender que todo o Antigo Testamento é um caminho rumo a Jesus Cristo. Começou, então, a ler a Bíblia e sobretudo as Cartas de São Paulo e narra que, no tormento das suas reflexões, tendo-se retirado num jardim, ouviu uma voz infantil repetindo uma cantiga que nunca tinha ouvido: tolle, lege, tolle, lege, "toma e lê, toma e lê" (Confissões VIII, 12).
Ao tomar o manuscrito que estava ao lado do amigo, seus olhos caíram nestas palavras de Paulo: “A noite é passada, e o dia é chegado. Rejeitemos, pois, as obras das trevas, e vistamo-nos das armas da luz. Andemos honestamente, como de dia; não em glutonarias, nem em bebedeiras, nem em desonestidades, nem em dissoluções, nem em contendas e inveja. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo, e não tenhais cuidado da carne em suas concupiscências” (Rm 13.13,14).
Entendeu que esta palavra se dirigia a ele, e assim ele registra:

“Não li mais nada, e não precisei de coisa alguma. Instantaneamente, ao terminar a sentença uma clara luz inundou meu coração e todas as trevas da dúvida se desvaneceram” (Confissões VIII.29). Sentiu assim dissipar-se as trevas da dúvida e encontrou-se enfim livre para se doar totalmente a Cristo: "Tinhas convertido a ti o meu ser" (Confissões, VIII, 12).


Martinho Lutero (1483-1546)

Em Novembro de 1515, este monge agostiniano e professor de teologia, começou a expor a Epístola de Paulo aos romanos aos seus alunos, até setembro de 1516. Conforme preparava as lições, apreciava cada vez mais a doutrina da justificação pela fé: “Ansiava muito por compreender a Epístola de Paulo aos Romanos, e nada me impedia o caminho, senão a expressão: ‘a justiça de Deus’, por que a entendia como se referindo àquela justiça pela qual Deus é justo e age com justiça quando pune os injustos... Noite e dia refleti até que... captei a verdade de que a justiça de Deus é aquela justiça pela qual, mediante a graça e a pura misericórdia, Ele nos justifica pela fé. Daí por diante, senti-me renascer e atravessar os portais abertos do paraíso. Toda a Escritura ganhou novo significado e, ao passo que antes ‘a justiça de Deus’ me enchia de ódio, agora se me tornava indizivelmente bela e me enchia de maior amor. Esta passagem veio a ser para mim uma porta para o céu.” (Luther’s Work, edição de Weimar, vol. 54)

Esta Epístola é o mais importante documento do Novo Testamento, o evangelho na sua expressão mais pura”. Aos olhos de numerosos historiadores, o comentário à Epístola aos Romanos por Lutero, em 1516, foi o verdadeiro ponto de partida da Reforma. O momento decisivo na vida de Lutero foi a descoberta que a justiça de Deus, não como julgamento e exigências, mas dada por Deus através de sua graça. A justiça de Deus revelada em Cristo. As consequências desta nova compreensão tiveram grande repercussão na história.

Philip Melanchthon (1497-1560).

Foi um dos maiores colaboradores de Lutero e redigiu a “Confissão de Augsburgo” (1530). Em 1521 concluiu sua famosa obra Loci Communes (“Tópicos comuns” da Teologia), que é de fato uma explicação da Epístola aos Romanos que na sua visão fornecia o sumário da doutrina cristã. A dogmática luterana primitiva confundiu-se, na realidade, com uma dogmática da Epístola aos Romanos. Melanchton converteu-se no principal líder do luteranismo após a morte de Lutero e é considerado o primeiro sistemático da Reforma.

William Tyndale (1484-1536)

Este pastor protestante e acadêmico inglês, mestre em Artes na Universidade de Oxford foi profundamente influenciado pela carta de Paulo ao Romanos. Traduziu a Bíblia para uma versão inicial do moderno inglês. Seu objetivo era fazer o Novo Testamento um livro tal que "todo menino de arado" pudesse lê-lo e se tornasse mais conhecedor das Escrituras que o próprio clero. Apesar de numerosas traduções para inglês, parciais ou completas, terem sido feitas a partir do século VII, a Bíblia de Tyndale foi a primeira a beneficiar da imprensa, o que permitiu uma ampla distribuição.
Tyndale estudou as escrituras e começou a defender as teses da Reforma Protestante, muitas das quais eram consideradas heréticas, primeiro pela Igreja Católica que o perseguira e depois pela Igreja Anglicana. As traduções de Tyndale foram banidas pelas autoridades e o próprio Tyndale foi queimado na fogueira em 1536 em Vilvoorde (10Km a nordeste de Bruxelas), na atual Bélgica, sob a instigação de agentes de Henrique VIII e a Igreja Anglicana. Suas últimas palavras foram, "Senhor, abre os olhos ao rei da Inglaterra", o que de fato aconteceu anos depois.
Ele fez a seguinte declaração sobre Romanos:

“Visto que esta epístola é a principal e a mais excelente parte do Novo Testamento, e o mais puro Euangelion, quer dizer, boas novas e aquilo que chamamos de Evangelho, como também luz e caminho, que penetra o conjunto da Escritura, creio que convém que todo cristão não somente a conheça de cor, mas também se exercite nela sempre e sem cessar, como se fosse o pão cotidiano da alma. Na verdade, ninguém pode lê-la demasiadas vezes nem estudá-la suficientemente bem. Sim, pois, quanto mais é estudada, mais fácil fica; quanto mais é meditada, mais agradável se torna, e quanto mais profundamente é pesquisada, mais coisas preciosas se encontram nela, tão grande é o tesouro de bens espirituais que nela jaz oculto”.

João Calvino (1509-1564)

Teólogo francês, influenciou profundamente a Reforma Protestante. Foi inicialmente um humanista, e depois do seu afastamento da Igreja Católica, começou a ser visto, como uma das vozes mais influentes do movimento protestante. Vítima das perseguições aos huguenotes na França, fugiu para Genebra em 1536, onde faleceu em 1564. Genebra tornou-se definitivamente num centro do protestantismo europeu e João Calvino permanece até hoje uma figura central da história da cidade e da Suíça. Para muitos historiadores, ele foi para o povo de língua francesa aquilo que Lutero foi para o povo de língua alemã.
Calvino também foi profundamente influenciado pela Carta de Paulo aos Romanos, em 1539 escreveu:

“Se... conseguirmos atingir uma genuína compreensão desta Epístola, teremos aberto uma amplissíssima porta de acesso aos mais profundos tesouros das Escrituras”.

Foi explicando a Epístola aos Romanos, seu primeiro comentário bíblico (publicado somente em 1540), que Calvino preparou a segunda edição das Institutas da religião cristã (1539), formulando as principais teses da doutrina calvinista”.

John Wesley (1703-1791)

O coração de Wesley foi tomado por um fogo ao ouvir um estudo sobre a Carta aos Romanos. No dia 24 Maio de 1738, Wesley visitou a sociedade moraviana perto da Rua Aldersgate.  Ali experimentou a sua conversão, que ele descreveu no seu diário:

“Ao entardecer eu fui sem grande vontade a uma sociedade na Rua de Aldersgate, onde alguém estava a ler o prefácio de Lutero à Epístola aos Romanos. Cerca de um quarto para as nove, enquanto ele estava a descrever a mudança que Deus opera no coração através da fé em Cristo, eu senti o meu coração estranhamente aquecido. Eu senti que confiava em Cristo, somente em Cristo para a salvação; e uma certeza foi-me dada que Ele havia retirado os meus pecados, mesmo os meus, e me havia salva da lei do pecado e da morte.” (Works [1872], vol. 1)

Este momento crítico da vida de João Wesley, para muitos historiadores, foi o acontecimento que mais que todos os outros, deu início ao Avivamento Evangélico do Século XVIII.

Karl Barth – (1886-1968)

Teólogo reformado suíço considerado por alguns como o maior teólogo protestante do século 20. Sua influência expandiu-se muito além do domínio acadêmico, chegando a incorporar a cultura,  o que levou a Barth ser apresentado na capa da revista TIME em 20 de abril de 1962.
Barth rejeitou sua formação na teologia liberal predominante típica do protestantismo europeu do século XIX, bem como as tendências mais conservadoras do cristianismo, assumindo  a teologia dialética chamada posteriormente de neo-ortodoxia - um termo que rejeitou enfaticamente.
Barth enfatizou a soberania de Deus, particularmente através da reinterpretação da doutrina calvinista das eleições, do pecado da humanidade e da "distinção qualitativa infinita entre Deus e a humanidade". Suas obras mais famosas são a sua Epístola aos Romanos, que marcou um recorte claro de seu pensamento anterior, e seu enorme trabalho de treze volumes, a Igreja Dogmática, uma das maiores obras de teologia sistemática já escritas. O Papa Pio XII disse que Karl Barth foi “o melhor teólogo desde Tomás de Aquino”.
Em Agosto de 1918, publicou sua exposição da Epístola aos Romanos, e logo no prefácio escreveu:

“O leitor perceberá por si mesmo que este comentário foi escrito comum jubiloso sentimento de descoberta. A poderosa voz de Paulo era nova para mim e se o era para mim, certamente o será para muitos. Entretanto, agora que terminei minha obra, vejo que resta muita coisa que ainda ouvi”.

Alguém teceu a seguinte comentário: “Sua análise caiu como uma granada no pátio de recreio dos teólogos”.

Charles E. B. Cranfield (1915-2015)

Considerados um dos maiores professores de NT em todo mundo, serviu como Capelão do exército na Segunda Guerra Mundial, como pastor para prisioneiros de guerra antes de ensinar por 30 anos como professor emérito de teologia da Universidade de Durham, no Reino Unido.
É autor do famoso Comentário de Romanos “A Critical and Exegetical Commentary on the Epistle to the Romans”, e “On Romans and Other New Testament Essays” cujos dois volumes integram a impressionante série mundialmente conhecida como International Critical Commentary (Icc, com 52 volumes), da qual é um dos editores.
Em 1985 fez a seguinte declaração:

“Tendo-me empenhado muito seriamente com a epístola aos Romanos durante mais de um quarto de século, ainda a encontro sempre nova e não posso lê-la sem prazer. Minha mais séria esperança é que cada vez mais pessoas se comprometam seriamente com ela, e, ouvindo o que ela tem a dizer, encontrem no Deus fiel, compassivo e Todo-Poderoso, como que ela se preocupa, alegria e esperança, bem como força até nestes sombrios, ameaçadores e – para muitos – dias carregados de angustia, através dos quais temos que viver”.


John R. W. Stott (1921-2011)

Pastor e teólogo anglicano britânico, conhecido como um dos grandes nomes mundiais evangélicos. Foi um dos principais autores do pacto de Lausanne, em 1974. Em 2005, a revista Time o colocou entre as 100 pessoas mais influentes do mundo.
Durante muitos anos foi reitor da Igreja anglicana de All Souls, em Londres. Em  1994 escreveu um dos seus grandes trabalhos acadêmicos que foi o comentário da  Carta de Paulo aos Romanos. Ele afirma o seguinte sobre esta carta: “Ela é a mais completa, a mais pura e a mais grandiosa declaração do evangelho encontrada no Novo Testamento”.

Conclusão:
F. F. Bruce afirmou:

“Não é possível predizer o que pode acontecer quando as pessoas começam a estudar a Epístola aos Romanos. O que sucedeu com Agostinho, Lutero, Wesley e Barth acionou grandes movimentos espirituais que deixaram sua marca na história do mundo. Mas coisas parecidas com essas aconteceram muito mais vezes com pessoas bem comuns, quando as palavras desta epístola penetraram nelas com poder. Assim, aqueles que a lerem até esse ponto, estejam preparados para as consequências de prosseguirem na leitura. O leitor está avisado!”

Do ponto de vista doutrinário, é uma das mais ricas e a mais notavelmente estruturada. Calvino afirma “Esta epístola toda inteira é disposta metodicamente...  entre as muitas e notáveis virtudes, a epístola possui uma em particular, a qual nunca é suficientemente apreciada, a saber: se porventura conseguirmos atingir a genuína compreensão desta epístola, teremos aberto uma amplíssima porta de acesso aos mais profundos tesouros da escritura”.

Historicamente nenhuma carta exerceu igual influência; um teólogo protestante chegou a dizer que a história da Igreja se confundia com a da interpretação desta epístola. Não há como negar que este texto sempre ocupou um lugar privilegiado na história da exegese.

Sua interpretação desempenhou papel decisivo na vida destes grandes homens, conforme descrevemos acima, e particularmente em dois momentos cruciais da história da Igreja: No século V, quando Pelágio criou uma das grandes controvérsias sobre a gratuidade da salvação e no século XVI, quando se redescobriu a doutrina da Justificação pela graça.

O estudo desta carta é vital para a saúde teológica da igreja de Cristo. Todos os reformadores da igreja viam Romanos como sendo a chave divina para o entendimento de toda a Escritura.
Então, caso você decida estudar esta carta, esteja alerta, como nos adverte F. F. Bruce.

Rev Samuel Vieira.

domingo, 27 de outubro de 2019

A Arte do Contentamento



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Contentamento é um estado de  espírito, mais que o resultado de situações
favoráveis.
Nunca a sociedade humana teve tanto conforto, boas condições de
saúde, recursos pessoais e desenvolvimento humano como nesta geração, mas,
apesar disso, os índices de depressão, síndrome de pânico, ansiedade e suicídio
têm se tornado cada vez mais alarmantes. Nas décadas de 80 e 90 nos EUA, cerca
de 400 mil adolescentes suicidaram. Esse fato tornou o suicídio a segunda causa
mortis do País, depois dos acidentes de carro.

De acordo com informação publicada pela Revista Ultimato na edição de
janeiro/fevereiro deste ano, “o número de pessoas ‘doentes de tristeza cresce no
mundo e o Brasil está no topo desse ranking – somos campeões na incidências de
depressão e ansiedade.” Quando lemos algo do tipo ficamos alarmados e
rapidamente nos perguntamos: o que há de errado com a civilização?

Tenho um amigo amazonense, daqueles homens intelectuais de pé no chão,
profundamente ligado à cultura da terra e aos hábitos simples da população
ribeirinha. Certo dia ele fez a afirmação chocante de que nunca tinha visto doentes
mentais entre os moradores das palafitas. E segundo o meu amigo a explicação
seria simples: doenças mentais são um fenômeno urbano. 

Perdemos o contentamento! Perdemos o estado da alma que sente
satisfação, paz e serenidade. Não há terreno fértil para o contentamento diante da
competição social e do egoísmo humano e muito menos diante da nossa natureza
desgostosa, gananciosa. O ambiente que nos cerca propicia insatisfação, levando-
nos a desejar mais do que realmente precisamos.  “Compramos coisas que não
precisamos, com o dinheiro que não temos, para impressionar pessoas das quais
não gostamos”. A alma humana, insaciável, nunca diz basta. Os olhos nunca se
contentam. Apesar de ter muito, a alma continua vazia porque falta o essencial:
sentido e propósito profundo na existência.

 Contentamento não tem a ver com bens, nem com circunstâncias porque é
um estado da alma. Muitos se satisfazem com pouco, em um ambiente de singeleza
e alegria. Concomitantemente, outros se perdem no muito, com a alma inquieta e
desassossegada.

 Jesus percebeu a inquietação dos seus discípulos quando lhes perguntou:
“Qual de vós, por ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso de sua
vida?”. Os evangelhos dizem que ele olhou para a multidão que o seguia, cansada,
como ovelhas sem pastor e os convidou: “Vinde a mim todos vós, que estais
cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomais sobre vós a minha canga, e
aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para
as vossas almas”. O verdadeiro contentamento é enraizado em Deus.

Rev Samuel Vieira

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

O Olho da Fé.



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"Ouvi falar de ti pela audição do ouvido - mas agora meus olhos te vêem !" Jó 42: 5
O que Jó quis dizer com essa expressão? Obviamente, suas palavras não devem ser entendidas literalmente. Não, empregando uma figura comum do discurso, ele quis dizer que as névoas da incredulidade (ocasionadas pela justiça própria) haviam sido dissipadas, e a fé percebia o ser de Deus como uma realidade gloriosa e viva. ("Meus olhos estão sempre voltados para o Senhor" Salmo 25:15), pelo que significa que sua fé estava constantemente em exercício. De Moisés, diz-se que "ele perseverou em ver aquele que é invisível" (Hebreus 11:27); isto é, seu coração foi sustentado pela fé sendo ocupada com o poderoso Deus.
A fé é frequentemente representada nas Escrituras sob a metáfora da visão corporal . Nosso Senhor disse sobre o grande patriarca: "Abraão, seu pai, se alegrou ao ver o meu dia - e ele o viu e se alegrou" (João 8:56), o que significa que sua fé aguardava o dia da humilhação e exaltação de Cristo. Paulo foi comissionado aos gentios para "abrir os olhos , para transformá-los das trevas em luz e do poder de Satanás em Deus" (At 26:18); ou, em outras palavras, ser o instrumento divino de sua conversão através da pregação a eles da Palavra de Fé. Para alguns de seus filhos errantes, ele escreveu: "Ó tolo Gálatas, que te enfeitiçou, para que você não obedeça a verdade, diante de quem olhos que Jesus Cristo foi claramente exposto, como crucificado entre vós "(Gálatas 3: 1).
Agora, o que desejamos destacar neste artigo é que, quando as Escrituras falam de fé sob a noção de visão corporal, seus escritores estavam fazendo algo mais do que se valer de uma figura de linguagem pertinente e adequada. O Autor das Escrituras é Aquele que formou o olho pela primeira vez, aquele órgão maravilhoso da visão e sem sombra de dúvida Ele o formou de modo a surpreendentemente adumbrar no visível o que agora desempenha um papel tão proeminente nas relações do cristão com o invisível . Tudo no mundo material reflete uma grande realidade no reino espiritual, como deveríamos perceber se tivéssemos apenas sabedoria suficiente para discernir o fato. Um amplo campo é aberto aqui para observação e meditação, mas agora nos limitaremos a um único exemplo, a saber, o olho do corpo - como simboliza a fé do coração .
1. O olho é um órgão passivo . O olho não emite uma luz por si mesmo, nem dá nada aos objetos que contempla. O que o olho pode se comunicar com o sol, a lua e as estrelas quando olha para eles! Não, o olho apenas recebe a impressão ou imagem deles na mente, sem acrescentar nada a eles.
O mesmo acontece com a fé - nada  a Deus, nem ao que vê na Palavra de Sua graça. Simplesmente os recebe ou os leva ao coração quando eles são apresentados à visão da alma à luz da revelação Divina. O que os israelitas mordidos comunicaram à serpente de bronze quando a olharam e foram curados? Tão pouco que nós adicionar a Cristo, quando nós "olhar" a Ele e são salvos (Isaías 45:22).
2. O olho é um órgão diretor . O homem que tem a luz do dia e os olhos abertos - pode ver o caminho e não é tão provável que tropeça em valas ou caia em um precipício como um cego ou que anda à noite.
Assim é com fé: "O caminho dos ímpios é como a escuridão, eles não sabem com o que tropeçam", mas "o caminho dos justos é como a luz brilhante, que brilha cada vez mais até o dia perfeito" (Provérbios 4:19, 18). Dos cristãos, diz-se que "andamos pela fé, não pela vista" (2 Coríntios 5: 7). Ao "olhar para Jesus" (a fé vê o nosso exemplo), estamos habilitados a correr a corrida que está diante de nós.
3. O olho é um órgão muito rápido , absorvendo as coisas a uma grande distância. Dentro de uma fração de momento, posso desviar meu olhar das coisas caídas no chão e focalizá-lo nas montanhas que estão a muitos quilômetros de distância; mais ainda, posso desviar o olhar das coisas da terra e subir entre as estrelas, e em um momento ver toda a extensão dos céus! Que maravilha é essa!
Igualmente maravilhoso é o poder da fé. É de fato uma graça míope, ocupando as coisas a grande distância, como fez a fé dos patriarcas, que viram as coisas prometidas "de longe" (Hebreus 11:13). Da mesma forma, em um momento a fé pode olhar para trás para um passado eterno - e ver as fontes eternas de eleger o amor, ativas em seu nome antes que os fundamentos da terra fossem lançados. E então, no mesmo fôlego, pode se voltar para uma eternidade ainda por vir, e ter uma visão das glórias ocultas do mundo celestial!
4. O olho, apesar de pequeno, é um órgão muito amplo . O homem que está de olhos abertos pode ver tudo o que vem com o alcance de sua visão. Ele pode olhar em volta e ver as coisas por trás, avançar e ver as coisas adiante, descendo sobre as águas em um poço ou um riacho no fundo de uma ravina profunda, para cima e contemplando corpos celestes nos céus distantes.
O mesmo acontece com a fé - ela se estende a tudo o que está dentro da vasta bússola da Palavra de Deus. É preciso conhecimento das coisas no passado distante, também apreende coisas que ainda estão por vir; olha para o inferno e penetra no céu . É capaz de discernir a vaidade do mundo ao nosso redor.
É verdade que pode haver uma fé genuína, que absorve pouco da luz da revelação divina a princípio. No entanto, aqui novamente os fatos terrestres sombreiam com precisão essa verdade espiritual. O olho de uma criança absorve a luz e percebe objetos externos - mas com uma grande dose de fraqueza e confusão, até que à medida que cresce, sua visão se estende cada vez mais. O mesmo acontece com os olhos da fé. A princípio, a luz do conhecimento espiritual é apenas fraca - o bebê em Cristo é incapaz de ver de longe. Mas, à medida que a fé se aprofunda cada vez mais nos mistérios divinos, até que ela chegue a ser absorvida pela visão aberta (João 17:24).
5. O olho é uma faculdade muito segura Dos cinco sentidos corporais, este é o mais convincente. Do que temos mais certeza do que aquilo que vemos com nossos olhos! Alguns tolos podem tentar se convencer de que a matéria é uma ilusão mental - mas ninguém em sã consciência irá acreditar neles. Se um homem vê o sol brilhando nos céus, ele sabe que é dia.
Do mesmo modo, a fé é uma graça que carrega em sua própria natureza uma grande dose de certeza: "Agora, a fé é ter certeza do que esperamos e certo do que não vemos" (Hebreus 11: 1).
Os céticos podem negar a inspiração divina das Escrituras - mas quando os olhos da fé contemplam suas belezas sobrenaturais, a questão é resolvida de uma vez por todas. Outros podem considerar Jesus um mito piedoso - mas, uma vez que o santo realmente tenha visto o Cordeiro de Deus , pode dizer "Eu sei que meu Redentor vive".
6. O olho é um órgão que impressiona . O que vemos deixa uma impressão em nossas mentes. É por isso que precisamos orar com frequência: "Afaste os olhos de contemplar a vaidade" (Salmo 119: 37). É por isso que o profeta declarou: "O que vejo traz tristeza à minha alma" (Lamentações 3:51). Se um homem olha firmemente para o sol por alguns instantes, uma impressão do sol é deixada em seus olhos, mesmo que ele desvie os olhos dele ou os feche.
Do mesmo modo, a verdadeira fé deixa no coração uma impressão do Sol de justiça: "Aqueles que olham para Ele radiam de alegria" (Salmo 34: 5).
Ainda mais definitivo é 2 Coríntios 3:18: "Mas todos nós, com o rosto aberto vendo como num copo a glória do Senhor, somos transformados na mesma imagem de glória em glória, como pelo Espírito do Senhor". Como o poderoso poder de Cristo, nos próximos dias, transformará os corpos de Seu povo da mortalidade para a vida, e da desonra para a glória - o mesmo também faz agora com que o Espírito Santo exerça um poder de transformação moral sobre o caráter daqueles que são Seus. , e que ao colocar a fé em exercício, cuja atividade conforma cada vez mais a alma à imagem do Filho de Deus.
7. O olho é um órgão maravilhoso . Aqueles que são competentes para expressar uma opinião afirmam que o olho é o mais maravilhoso e notável de qualquer parte do corpo humano. Há muita sabedoria e poder do Criador a serem descobertos na formação e operação do olho!
Assim, a fé é uma graça que é maravilhosa e maravilhosamente forjada na alma. Há mais da sabedoria e poder do Divino Obreiro descoberto na formação da graça da fé - do que em qualquer outra parte da nova criatura. Assim, lemos sobre a "obra da fé com poder" (2 Tessalonicenses 1:11). Sim, que o mesmo poder excessivamente grande e poderoso que foi posto por Deus na ressurreição de Cristo dentre os mortos - é exercido sobre e dentro daqueles que crêem! (Efésios 1:19).
8. O olho é uma coisa muito delicada - logo é machucado e facilmente danificado. Um pequeno grão de poeira causará dor e fará com que chore. É muito impressionante notar que esse é o caminho para a recuperação - ela libera a poeira que entra nela.
Assim, a fé é uma graça mais delicada , prosperando melhor em uma consciência pura. Por isso, o apóstolo fala de "manter o mistério da fé em pura consciência" (1 Timóteo 3: 9). Os atos vivos da fé logo são prejudicados pelo pó do pecado ou pelas vaidades do mundo que entram no coração onde estão assentados. E onde quer que esteja a verdadeira fé - se é ferida pelo pecado - ela se exala de uma maneira de tristeza divina.


de Arthur Pink.

NB: Para a maioria dos itens acima, somos gratos a um sermão pregado por Ebenezer Erskine em 1740.

As aflições dos piedosos



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Nos últimos anos, nos esforçamos para ajudar alguns dos filhos não estabelecidos de Deus dedicando um artigo anualmente (sob este título) ao fim específico de resolver sua incerteza. Para que eles possam reconhecer seu retrato espiritual , procuramos descrever uma ou outra daquelas características do regenerado que o Espírito Santo desenhou nas Escrituras. Longe de desprezar aqueles que estão profundamente exercitados quanto ao seu estado real, recusando-se a "se beneficiar da dúvida", admiramos sua cautela.
Deus exortou Seu povo a "garantir sua vocação e eleição" (2 Pedro 1:10), e uma das maneiras pelas quais podemos começar a fazê-lo é comparar em espírito de oração e humildade nossos corações e vidas - com essas marcas de graça, ou frutos do Espírito, que são delineados na Bíblia. A Palavra de Deus é comparada a um "espelho" no qual podemos contemplar a nós mesmos (Tiago 1: 23-24) e perceber o que somos por natureza - e o que fomos feitos pela graça. Que cada um de nós tenha olhos para se ver como o Espelho divino nos representa.
"Antes de ser afligido, eu me perdi - mas agora guardei sua palavra."
"É bom para mim ter sido afligido; para aprender seus estatutos."
"Eu sei, ó Senhor, que seus juízos são corretos e que você, fielmente, me afligiu." (Salmo 119: 67, 71, 75).
Ligamos esses três versículos porque eles tratam do mesmo assunto, a saber, a atitude do coração de alguém que foi afligido por Deus . Cada um deles respira a linguagem de uma alma graciosa , e não a de um homem natural . Cada um deles reconhece os efeitos benéficos das provações santificadas. Cada um deles evidencia um coração humilde, pois, longe de murmurar as dispensações de Deus - por mais desagradáveis ​​que sejam para a carne e o sangue -, há um reconhecimento agradecido de seu desígnio benevolente . Cada um deles é uma confissão feita não enquanto se dobra sob a vara - mas depois de ter feito o trabalho designado.
Se nossos leitores puderem, com sinceridade, tornar essa linguagem própria, eles terão boas razões para concluir que estão vinculados ao mesmo "pacote de vida" (1Sa 25:29) que Davi.
 
"Antes de ser afligido, eu me perdi - mas agora guardei sua palavra." Esta é a expressão de umcoração honesto , pois possui livremente que, antes da aflição, ele "se perdera". Como a "carne" ainda permanece no coração do cristão, ele é muito propenso a se afastar de Deus; sim, a menos que seja diligente em observar e orar contra a tentação e mortificar diariamente suas concupiscências - ele certamente o fará. Essa tendência do mal é muito estimulada pelo sucesso temporal, pois então estamos muito mais aptos a saciar a carne - do que negar isto. "Mas Jeshurun ​​encerou gordura e chutou: você é gordura encerada, cresceu e ficou coberto de gordura; então ele abandonou a Deus" (Deu 32:15). "Falei com você em sua prosperidade; mas você disse que não ouvirei" (Jeremias 22:21). Com esse retrocesso, derrubamos sobre nós a vara de Deus - para coibir mais excessos de carnalidade e nos levar de volta aos caminhos da justiça. Deus freqüentemente envia um verme para ferir a cabaça do conforto de nossa criatura (Jonas 4: 7); e prosperidade é seguida por adversidade ; mas se essa aflição é abençoada para nós - então mantemos a Palavra como não o fizemos anteriormente (Lucas 2:19).
 
"É bom para mim ter sido afligido; para aprender seus estatutos." Esta é a respiração de umcoração agradecido . Muito diferente é o sentimento do homem natural. As escrituras declaram: "Eis que feliz é o homem a quem Deus corrige" (Jó 5:17) - mas o mundo imagina que feliz é aquele que está isento de provações e angústias. Com o que você concorda, meu leitor? Contudo, uma coisa é dar um consentimento geral à declaração inspirada: "Bem-aventurado o homem a quem você castiga, ó Senhor, e ensina de acordo com a sua lei" (Salmo 94:12) - mas é outra coisa diferente aprender com a experiência. , os benefícios da aflição. Ser humildemente reconciliado com nossas tribulações é uma grande misericórdia - mas ter uma prova pessoal de que, embora o medicamento seja desagradável, seus efeitos são benéficos , é ainda melhor.
Esse é o resultado daqueles que são "exercitados" sob a mão castigadora de seu Pai (Hebreus 12:11). "Os filisteus não conseguiam entender o enigma de Sansão - como 'do comedor veio algo para comer - e do forte veio algo doce' (Juízes 14:14). Tão pouco o mundo pode compreender a fecundidade das provações do cristão: como seu gracioso Senhor adoça as águas 'amargas' de Mara (Êx 15:23) "- Charles Bridges (1794-1869).
"É bom para mim ter sido afligido" (Salmo 119: 71). Deus tem muitas maneiras de afligir. No contexto, Davi menciona aqueles que o opuseram e o criticaram. Na época - ele pode ter sentido muito - mas depois - ele percebeu que era uma piedade. É bom para nós - quando temos razões sólidas para fazer esse reconhecimento.
Qual é o nosso chefe "bom"? Não é o gozo de Deus? Então, quão agradecidos devemos ser por qualquer coisa que nos aproxime dele! "Senhor, na angústia eles te visitaram, eles fizeram uma oração quando o castigo estava sobre eles" (Isaías 26:16). Deus é então procurado com mais fervor e persistência. Quando decididas , nossas devoções tendem a se tornar formais e mecânicas - mas quando nosso ninho é perturbado, "fazemos uma oração" ou um "discurso secreto" (margem) - são os gemidos do coração. Aflições santificadas:
afastam-nos da criatura,
tornam a consciência mais terna,
exercitam nossas graças,

Se pudermos descobrir esses efeitos benéficos, não devemos exclamar: "É bom para mim que eu tenha sofrido!"
"Eu sei, ó Senhor, que seus juízos são corretos e que você, fielmente, me afligiu." Esta é a linguagem do discernimento . "Julgamentos" aqui não se referem (como frequentemente nos Salmos) às leis eqüitativas de Deus - mas às Suas relações governamentais - na punição dos iníquos - ou na correção de Seu povo. Davi também não estava falando do conhecimento da razão carnal - mas daquilo que a fé e uma experiência espiritual fornecem. Ele se condenou, reconhecendo que sua desobediência pedira a vara .
Quando o professor vazio está gravemente aflito, ele diz: "O que eu fiz para merecer isso?" Outros menos rebeldes - mas igualmente hipócritas, perguntam: "Por que devo ser apontado como um sinal de adversidade?" Muito diferentes são os sentimentos dos piedosos: eles reivindicam o Senhor. Longe de se considerarem tratados injustamente, ou mesmo severamente, eles exoneram a mão que os fere .
Os iníquos não reconhecem Aquele que está lidando com eles, procurando nada além de causas secundárias ou instrumentos humanos . Mas os olhos da fé contemplam Aquele que é invisível: não apenas como provedor e consolador - mas também como castigador e aflitivo ; e isso, não apenas no amor - mas na justiça: "Seus julgamentos são corretos".
"Você com fidelidade me afligiu." Numerosos sermões foram pregados sobre a fidelidade de Deus e muitas peças escritas sobre essa perfeição divina, mas poucas preservaram o equilíbrio. É preciso mostrar que Deus não é apenas fiel à Sua Palavra ao cumprir Suas promessas - mas também ao cumprir Suas ameaças ; fiéis não apenas em prover Seu povo - mas também em lidar com suas loucuras . Frequentemente ouvimos falar da fidelidade à aliança de Deus - mas nem sempre somos lembrados de que o castigoé um dos artigos em Sua aliança. "Se os filhos dele abandonarem a minha lei, e não andarem nos meus juízos ... Então visitarei a sua transgressão com a vara, e a sua iniqüidade com açoites ... O meu pacto não quebrarei, nem alterarei o que se foi. dos meus lábios "(Salmo 89: 30-34).
"Nosso Pai não é Eli - Ele não permitirá que Seus filhos pecem sem repreensão" - Charles H. Spurgeon (1834-1892).
Portanto, é seu dever possuir a integridade dEle, enquanto persevera em sua disciplina fiel . Foi o que Davi fez aqui: ele reconheceu que Deus estava cumprindo o compromisso de sua aliança, e fez essa promessa não de mau humor - mas felizmente; sim, ele fez isso com adoração, pois sabia que Deus também tinha seu bem-estar em vista.
Agora, meu leitor, meça pelo que foi apontado acima. Você diz: "Sofrerei a indignação do Senhor, porque pequei contra ele" (Mq 7: 9)? Você aprendeu por experiência que a aflição é feita uma escola para o povo de Deus , na qual eles aprendem muitas lições valiosas - sobre si mesmos e sobre Deus, e sobre seus deveres e privilégios? Você já descobriu por conhecimento em primeira mão que o castigo é um remédio benéfico para subjugar o orgulho, a purgação da carnalidade e curar desvios? A vara o recuperou de suas andanças? Você pode dizer de coração: "É bompor mim que fui afligido; para que eu possa aprender [experimentalmente] seus estatutos "(Salmo 119: 71)? Você possui livremente que os tratos providenciais de Deus com você - Seus" julgamentos "- estão certos: isto é, justos e equitativos? Sim, você sente que Deus lidou com muito mais clareza do que as suas "iniqüidades merecem" (Esdras 9:13)? Você acha que Deus é fiel, não apenas em si mesmo - mas em feri- lo? Então você tem fundamento bíblico para concluir que um milagre da graça foi forjado em sua alma.

Arthur Pink
março de 1948


quinta-feira, 3 de outubro de 2019

A TERRA ESTA CHEIA DE VIOLÊNCIA GN 6,1-22

 


Os relatos anteriores de Adão, Eva e a serpente (Gn 2,4b-3,24), Caim e Abel (Gn 4,1-16), Lamec (Gn 4,23-24) mostram a auto-suficiência, cujas conseqüências são concentração de bens, de poder e o controle social.  O ser humano busca ser como deus; ele não reconhece Javé como o seu criador. A conseqüência é a competição, o aumento da violência e a morte.  O narrador descreve o desânimo de Deus diante de seu projeto inicial: "Meu espírito não permanecerá no homem, pois ele é carne; não viverá mais que cento e vinte anos" (Gn 6,3; cf. 2,7).

Nos versículos 1-4 do capítulo 6, o autor apresenta uma antiga história sobre a união dos filhos dos deuses com as filhas dos homens. Há muitas interpretações possíveis para esse texto, mas, no contexto das narrativas de Gênesis 1-11, é possível ver a pretensão das pessoas de ser como as divindades. Os filhos de Deus se comportam como donos absolutos do mundo. A vontade deles é que importa: eles viram as belas filhas dos homens, gostaram delas e as tomaram como suas mulheres. Curioso que, na Bíblia, há relatos de homens poderosos que agiram dessa forma, por exemplo: Davi, quando vê Bersabéia tomando banho, fica boquiaberto com a sua beleza e manda buscá-la para si (2Sm 11,2-5).

De acordo com o relato de Gênesis, a realidade de corrupção provoca a destruição da terra. A expressão "Javé viu" introduz a decisão de uma intervenção (Gn 6,2; 29,31; Ex 2,25; 3,4; 4,3). No primeiro relato da criação, Deus vê a sua obra e conclui que tudo era muito bom (Gn 1,31). No entanto, agora aparece o oposto: "a maldade do homem era grande sobre a terra, e era continuamente mau todo desígnio de seu coração" (Gn 6,5). Esse texto, possivelmente, nasce a  partir da realidade de injustiça e violência praticadas pelos dirigentes do Estado, especialmente da Babilônia.

Diante da maldade do ser humano, o autor apresenta Javé de maneira muito humana, vivendo um grande conflito interior: "arrependeu-se de ter feito o homem sobre a terra, e afligiu-se o seu coração" (Gn 6,6).  A palavra hebraica usada para o verbo arrepender-se é naham, que possui a mesma raiz de Noé. Além do significado de arrepender-se, essa palavra pode ser entendida como doer-se, sentir pesar, consolar-se, compadecer-se, sentir pena e compaixão.

O ser humano pode ter esperança, pois Deus se compadece e aponta para uma luz no fim do túnel. O versículo 8 começa com Noé, o homem que encontra graça aos olhos de Javé. Ele é descrito como justo e íntegro entre seus contemporâneos, uma pessoa que "andava com Deus". Esta expressão é usada unicamente para Noé e para Henoc (Gn 5,21-24). O próprio Javé reconhece Noé como justo (Gn 6,8). Ele é o homem que tem no nome a mesma raiz da palavra arrependimento e compaixão. Ele anda e vive com o Deus da gratuidade.

O verbo hebraico shāhat, cujo sentido pode ser corromper, é usado três vezes em Gn 6,11-12 para descrever a situação da terra. O mesmo verbo também é usado no v. 13 no sentido de exterminar ou desaparecer: "Deus disse a Noé: 'Chegou o fim de toda carne, eu o decidi, pois a terra está cheia de violência por causa dos homens, e eu os farei desaparecer da terra'" (Gn 6,13.17).  A corrupção do ser humano gera a destruição da terra e de todos os seres vivos. Noé recebe a ordem de fazer uma arca, alojando animais de todas as espécies.

Uma arca que não parece nada com um barco: retangular, com três andares, semelhante à concepção de mundo daquela época. É nesse pequeno mundo que estão as sementes da nova humanidade. Arca é um termo que aparece vinte e seis vezes no relato do dilúvio, e será empregado mais duas vezes em Ex 2,3.5. É possível que exista uma ligação entre a salvação da humanidade por meio de Noé e a de Israel por Moisés.

No primeiro relato da criação, Deus estabelece uma ordem no universo. No entanto, a maldade humana provoca a desordem. A palavra hebraica dilúvio, mabbûl, significa "o oceano do céu". De acordo com Gênesis 1,9, Deus ordena: "Que as águas que estão sob o céu se reúnam num só lugar e que apareça o continente"; no dilúvio, a ação é contrária: as comportas do céu se abrem (Gn 7,11). As barreiras colocadas por Deus foram rompidas. As águas de cima e as de baixo se misturam. O continente desaparece, a vida se extingue. Acaba-se a ordem. O dilúvio é uma volta ao caos.

Em meio ao caos, Deus faz uma aliança com Noé e com toda a sua família. A aliança com Noé não exige a contrapartida, é gratuidade de Deus: o objetivo é preservar a vida. Desde os inícios da humanidade, Deus é o defensor dos justos e dos oprimidos (Ex 3,7). Na arca, homem, mulher, filhos e um casal de cada ser vivo formam uma só família. Eles carregam a responsabilidade de cuidar do universo, mas o centro da salvação é Noé. Ele, como Moisés e outros grandes líderes do povo de Israel, encontra graça aos olhos de Javé (Ex 33,17).

Em síntese, o capítulo 6 do livro do Gênesis narra as causas do dilúvio e a decisão de Deus de manter a semente da vida por meio de Noé. Numa descrição detalhada, o texto apresenta os preparativos antes da catástrofe: a construção de uma arca e a escolha de animais de cada espécie para conservar a vida. O narrador já havia nos informado sobre a conduta de Noé, agora comprovada por sua ação: "Noé assim fez; tudo o que Deus lhe ordenara, ele o fez" (Gn 6,22).

2. “Deus lembrou-se então de Noé”: Gn 7,1-8,22

Tudo esta preparado para as águas caírem. Noé, toda a sua família e os animais aguardam o dilúvio na arca por sete dias (Gn 7,1-10). O próprio Javé confirma o motivo de Noé ter sido o escolhido: "É o único justo que vejo diante de mim no meio desta geração" (Gn 7,1). A auto-suficiência e a maldade humana impossibilitam o relacionamento entre as pessoas, com todos os seres criados e com Deus. Distanciando-se da imagem de Deus, que é o ser humano, a pessoa se distancia do próprio Deus. Mesmo assim, Deus continua estendendo a sua mão. Dando-nos mais uma chance.

O olhar de Deus pousa sobre Noé, nele repousam as esperanças de restaurar a humanidade (Gn 6,8). Os poderosos, com sua ganância e ambição, distanciam-se do projeto de Deus, baseado na partilha e na solidariedade. São eles que estão provocando a destruição. A salvação da nação não depende dos poderosos (Sf 3,1-3: Mq 4-5). A família de Noé, como o resto de Israel, é responsável pela sobrevivência e restauração do povo. Esse resto pode contar com a ação de Deus, o go'el, aquele que assume a defesa dos oprimidos e inocentes (Gn 4,11.15: 9,6; Nm 35,19).

O dilúvio é descrito como volta ao caos: "nesse dia jorraram todas as fontes do grande abismo e abriram-se as comportas do céu" (Gn 7,11). Romperam-se os diques colocados por Deus. É uma anulação do segundo dia da criação (Gn 1,7). Tudo virou um aguaceiro só: as águas de baixo e as de cima se juntaram, provocando o dilúvio. Mas, afinal, a inundação foi provocada pelo rompimento das comportas do céu ou por uma chuva torrencial? (Gn 7,4.12). É importante lembrar que há duas diferentes redações do dilúvio que se fundiram num único texto.

A mistura das águas já tinha acontecido quando ouvimos que "Javé fechou a porta por fora" (Gn 7,16). Dessa forma, o autor nos lembra que Javé, mesmo mantendo firme o seu propósito de destruir a terra, continua acompanhando os passos do ser humano e protegendo as sementes de uma nova humanidade. Tudo desaparece: "Morreu tudo o que tinha um sopro de vida nas narinas. Isto é, tudo o que estava em terra firme" (Gn 7,22).

Na terra não sobrou sequer um fio de vida, tudo se extinguiu. Interessante que não são mencionados os animais que vivem no mar. De fato, o que está em questão é a destruição da terra por causa das situações de pecado e da maldição sobre o solo (Gn 3,17). Dessa forma, simbolicamente, as águas purificam a terra e a preparam para uma nova relação dos seres humanos com a terra.

Depois da catástrofe, ouvimos uma palavra de esperança: "Deus lembrou-se então de Noé e de todas as feras e de todos os animais domésticos que estavam com ele na arca” (Gn 8,1). Lembrar-se tem o sentido de compadecer-se (Gn 19,29; 30,22; Jr 31,20; Sl 8,5). Novamente nos lembramos da primeira criação: sopra o vento (Gn 1,2), separam-se as águas inferiores e superiores (Gn 1,7), aparecem a terra firme (Gn 1,9) e as plantas (Gn 1,11); as aves voltam ao firmamento (Gn 1,20), o ser humano sai para repovoar a terra (Gn 1,28). Todos esses passos acontecem novamente em Gênesis 8,1-12: Deus ordena o caos, re-cria a ordem. 

Para saber se as águas tinham baixado, Noé solta uma pomba, que, não encontrando lugar onde pousar, retorna para a arca. Em seguida, uma segunda pomba é solta e volta com um ramo de oliveira no bico, sinal de vida nova. E, pela terceira vez, solta a pomba que não volta. Assim, Noé compreende que a terra está seca. Já pode sair. Em seguida, o texto acrescenta: "Então assim falou Deus a Noé: 'Sai da arca, tu e tua mulher, teus filhos e as mulheres de teus filhos contigo” (Gn 8,15). Noé recebe a ordem de sair e fazer saírem todos os que se encontram na arca. A bênção de Deus os acompanha: "que pululem sobre a terra, sejam fecundos e multipliquem-se sobre a terra" (Gn 8,17b). Essa bênção a Noé e a seus filhos já havia aparecido no primeiro relato da criação (Gn 1,28; 9,1.7).

Como no mito mesopotâmico de Gilgamesh, Noé constrói um altar e oferece sacrifícios para Javé; o ser humano reconhece que Deus é o criador. Esse relato, que nasceu no meio do povo, recebeu alterações da tradição sacerdotal e da teologia do puro e do impuro. O texto contém uma camada popular e outra oficial. Porém, o mais importante é a promessa que não haverá mais maldição: "Enquanto durar a terra semeadura e colheita, frio e calor, verão e inverno, dia e noite não hão de faltar" (Gn 8,22).

O ritmo constante dos dias e do ano permite a vida das plantas, dos animais e das pessoas. É o sonho e o desejo de que a vida tenha condições de florescer, não obstante a dura realidade dos exilados. E o mais importante: Deus está presente e renova a sua aliança. Ele é o protetor e o libertador do povo oprimido: "aquele que te modelou, ó Israel: não temas, porque te resgatei, chamei-te pelo teu nome: tu és meu" (Is 43,1). Vamos continuar lendo a história de dilúvio e entender qual é o projeto de Deus para a formação da nova humanidade.

3. “Eis que estabeleço minha aliança convosco”: Gn 9,1-17

  A primeira cena do capítulo 9,1-7 está emoldurada com uma bênção. No v. 1, Noé e seus filhos são abençoados; no v. 7 a mesma bênção se repete, acrescentando: dominai a terra. A bênção é um sinal da proteção especial de Deus (Gn 12,3: 14,9). Ela não é só desejo ou palavra de consolo, mas é garantia de vida digna. A bênção de Deus inclui prosperidade, vida longa e descendência (cf. Sl 128). Ela se manifesta na multiplicação da vida: "Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra" (Gn 9,1.7).

  Toda a natureza e todo ser vivo está entregue nas mãos do ser humano (Gn 9,2). Antes do dilúvio, a erva é o alimento de todos (Gn 1,29-30). Depois do dilúvio há outra ordem: "Tudo o que se move e possui vida vos servirá como alimento, tudo isso eu vos dou, como vos dei a verdura das plantas" (Gn 9,3). A partir de então o ser humano pode matar outros animais para se alimentar. Matar para se alimentar é muito perigoso, por isso se faz necessário colocar proibições.

"Não comereis a carne com sua vida, isto é, com o sangue" (Gn 9,4). A tradição judaica acredita que a vida está no sangue. A vida pertence exclusivamente a Deus. Trata-se do respeito à vida. Não matar os animais simplesmente por diversão ou demonstração de poder. E quanto ao ser humano, a proibição é mais dura ainda, pois o próprio Deus pedirá contas. A expressão "pedirei contas" é repetida três vezes no v. 5, indicando que Deus exercerá a vingança contra quem tira a vida de outra pessoa. Ele age como o parente próximo que tem o direito de vingar o sangue (Gn 4,10).

"Quem derrama o sangue do homem, pelo homem terá seu sangue derramado. Pois à imagem de Deus o homem foi feito" (Gn 9,6). De acordo com as leis antigas, quem mata uma pessoa está sujeita à justiça daqueles que têm o direito de exercer a vingança (Nm 35,19). Quem respeita a vida é portador da bênção de Deus.

A segunda cena deste capítulo começa com a aliança e termina com o sinal da aliança (Gn 9,8.17). A aliança com Deus possui características diferentes em cada etapa da história de Israel. No início, a aliança é com Noé e com toda a criação, e o sinal é o arco. Em seguida, com Abraão e os seus descendentes, tendo como sinal a circuncisão (Gn 17); mais tarde, no período do pós-exílio, a aliança, tendo como patrono Moisés, será exclusiva para Israel e exigirá a obediência à Lei, em especial à lei do sábado (Ex 19,5; 34,27-28; 24,7-8; Ex 31,16-17).

A aliança de Deus com Noé e com todas as criaturas é gratuita. Não há exigências. A sua aliança é em defesa da vida da terra, de todos os animais e do próprio ser humano: "Não haverá mais dilúvio para devastar a terra" (Gn 9,11). A aliança com toda a natureza é um tema presente em outros livros proféticos. Na profecia de Oséias, lemos: "Farei em favor deles, naquele dia, um pacto com os animais do campo, com as aves do céu e com os répteis da terra" (Os 2,20).

O termo aliança, berit, é repetido sete vezes neste capítulo (Gn 9,9.11.12.13.15.16.17). O compromisso é firmado com toda a humanidade e com todas as criaturas. O sinal é o arco: "porei meu arco na nuvem e ele se tornará um sinal da aliança entre mim e a terra" (Gn 9,13). Deus coloca um sinal para ele se lembrar de sua aliança. Será que ele tem o hábito de esquecer? Não. É apenas uma forma simbólica de falar. A nuvem é o veículo de Deus (Is 19,1; Sl 104,3). O arco é o símbolo da presença de Deus (Ez 1,28)

O surgimento do arco-íris depois de uma chuva forte sempre traz uma sensação de bem-estar, de um novo frescor. No campo ou nas pequenas cidades, há muitas pessoas que costumam repetir: é o sinal da aliança de Deus. O arco-íris é portador de boas-notícias: Deus está sempre disposto a manter a sua aliança. O seu projeto é de um mundo solidário e justo.

O convite do grupo profético no exílio continua válido e aberto a todas/os: "Ah! Todos que tendes sede, vinde à água. Vós, os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; comprai sem dinheiro e sem pagar, vinho e leite. Escutai-me e vinde a mim, ouvi-me e vivereis. Farei convosco uma aliança eterna, assegurando-vos as graças prometidas a Davi" (Is 55,1.3). Deus é nosso aliado na construção de uma nova sociedade. Demo-nos as mãos e sejamos, à imagem e semelhança de Deus, portadoras/es de bênçãos.

4. A realidade de injustiça atinge toda a natureza.

 Nas primeiras páginas da Bíblia, a transgressão de Adão e Eva provoca ruptura no relacionamento com Deus e com a terra. No relato de Caim e Abel vemos que a inveja e as desigualdades atingem a vida do irmão e da irmã. À medida que a realidade de injustiça aumenta, atinge toda a natureza. A autosuficiência do ser humano continua ameaçando a vida em nosso planeta.

O dilúvio é conseqüência da maldade humana e da realidade de violência. A decisão de destruir o mundo e a de salvá-lo partem de um único Deus. O mito babilônico, em suas várias versões, é mais antigo do que os relatos de Gênesis 6-9. Provavelmente, os autores do relato bíblico tinham conhecimento dessas histórias e as adaptaram conforme a sua realidade.

A intenção do relato bíblico é apresentar o dilúvio como um ato divino por causa da corrupção da humanidade. As narrativas de Gênesis 1,1 até 6,4 narram situações de pecado individual e coletivo. Deus é descrito como o Senhor de toda da história, criador do universo e de todos os seres vivos. Num ato de amor, ele cria e, por causa da maldade humana, ele destrói. A leitura desses textos transmite a consciência de que uma situação de pecado traz sofrimento e destruição para os seres vivos, para toda a natureza e para a sociedade.

Toda ação contra a vida é uma ruptura da aliança com Deus. "Pereceu então toda a carne que se move sobre a terra: aves, animais domésticos, feras, tudo o que fervilha sobre a terra e todos os homens. Morreu tudo o que tinha sopro de vida nas narinas" (Gn 7,21-22a). Nas tradições bíblicas há vários textos que reafirmam essa verdade (Os 4,1-3).

Na mentalidade dos profetas, Deus faz justiça aos oprimidos e fracos destruindo o opressor. Na profecia de Amós, lemos: "Ele que faz as Plêiades e o Órion, que transforma as trevas em manhã, que escurece o dia em noite, que convoca as águas do mar e as despeja sobre a face da terra, Javé é o seu nome! Ele faz cair devastação sobre aquele que é forte, e a devastação virá sobre a cidadela" (Am 5,8-9).

A profecia de Sofonias ergue o seu grito contra a política opressora dos governantes. Ele anuncia a ação de Javé: "Na verdade suprirei tudo da face da terra, oráculo de Javé. Suprimirei os pássaros do céu e os peixes do mar, farei tropeçar os perversos e aniquilarei os homens da face da terra, oráculo de Javé" (Sf 1,2-3). Na realidade, são as situações de injustiça e exploração que estão acabando com a vida do povo e destruindo a natureza (Sf 1,2-2,3).

Um pouco antes do exílio da Babilônia, o profeta Jeremias denuncia a situação de destruição, conseqüência da ganância e da ambição dos governantes. A voz do profeta continua ressoando em nossos ouvidos: "Sim, meu povo é tolo, eles não conhecem, são filhos insensatos, não têm inteligência; são sábios para o mal, mas não sabem fazer o bem!" (Jr 4,22). Em seguida, ele descreve a terra como um imenso deserto: "Porque assim disse Javé: a terra será devastada, mas não a aniquilarei completamente" (Jr 4,27).

O profeta Jeremias compara a ação imperialista ao dilúvio: "É o Egito que subia como o Nilo e como os rios agitavam as águas. Ele dizia: 'Subirei, cobrirei a terra e destruirei a cidade e os seus habitantes'" (Jr 46,8). Outras pessoas que deram continuidade à profecia de Jeremias vêem a destruição da Babilônia como um ato de Deus: "Porque Javé devasta a Babilônia e acaba com o seu ruído, ainda que suas ondas bramam como grandes águas e ressoe o fragor de sua voz" (Jr 51,55).

O tema do dilúvio atravessa a história de Israel como símbolo da destruição causada pela maldade humana e a esperança a partir de Noé. No exílio da Babilônia, na situação de abandono e destruição provocada pelos pecados de uma elite de Israel (Jr 23,1-6; Ez 34,1-31), um grupo recorda a promessa de Deus e sua fidelidade: "Como nos dias de Noé, quando jurei que as águas de Noé nunca mais inundariam a terra, do mesmo modo juro agora que nunca mais me encolerizarei contra ti, que não mais te ameaçarei. Os montes podem mudar de lugar e as colinas podem abalar-se, porém meu amor não mudará, minha aliança de paz não será abalada, diz Javé, aquele que se compadece de ti" (Is 54,9-10).

Os relatos em torno do dilúvio em Gn 6-9 contêm uma promessa de vida: "Eu não amaldiçoarei nunca mais a terra por causa do homem... Nunca mais destruirei todos os viventes" (Gn 8,21). Não, Deus não destrói. A sua aliança com o ser humano é feita sem exigir nada em troca. É feita na gratuidade. Mas esse gesto de amor está sem resposta, pois a terra continua sendo destruída pela ganância e ambição de grupos poderosos. O aquecimento global provoca furacões, secas, inundações e incêndios nas florestas. A Vida está ameaçada, e ninguém está a salvo.